Vida de Caixinha
“Experiência não é aquilo que acontece a um homem.
É o que um homem faz com o que lhe acontece.”
Acreditando na nossa capacidade de ser mais, na nossa capacidade de viver a experiência humana em sua plenitude, é que chegaremos a perceber as belezas de nosso espaço interior.
Poderemos ver que no nosso quarto pessoal, além da dor e das conseqüências dela, há as ferramentas de beleza, de resiliência e força, de coragem, de auto amor e auto perdão.
Nesse quarto pessoal estamos nós em essência de espelho e humanidade e estamos sim aptas à vivência do caminho luminoso de reconstrução, libertação e cura!
(...)
Começamos a construir dentro de nós, dentro da nossa cabeça a partir das construções mentais e idéias pensamento, a realidade que queremos partilhar e conviver.
Felicidade está no intercâmbio seu com seus espaços de convivência e de conveniência, está no ínterim de seus subterfúgios quanto ao enfretamento da caixa de sua Pandora, ou da fuga dela.
Cabe somente a ti seguir abrigando todo o dolo e ônus (que não temos de modo algum) da responsabilidade do abuso sexual ou largar a terceira perna de medo e insegurança seguindo a estrada da reconstrução interior, libertação e cura.
Temos a capacidade criativa de construir o queremos ser, viver e sentir, fazer ou desfazer, amar ou destruir. E fazemos isso conosco...
Ao longo da caminhada desenvolvemos uma série de transtornos na tentativa de afogar a dor nas máscaras da fuga, do esquecimento empoeirado do quarto de dor...
Fobias, compulsões alimentares, distúrbios do sono, pânico, borderline, bulimia, anorexia, psicopatologias de várias ordens e graus, sintomas físicos reais e constantes, somatizações do imenso fardo carregado.
O fato é que, consumidas pela culpa, vivemos o holocausto da dor absurda e violenta a cada instante e torturamo-nos com lâminas, tesouras, com as mãos, em paredes e portas, escadas, na alimentação desmedida, na exposição às situações de perigo, em relações patológicas, numa vitimização permanentemente aberta e compulsiva em todos os espaços de sociabilidade.
Ano passado, em meados de dezembro, após uma seção de terapia, me machuquei forte e violentamente.
Machuquei meu corpo atirando-o contra as paredes, despejando minhas mãos com intensa ira na pele condoída, repetindo comandos lesivos e auto punitivos, chorando muito, gritando comigo mesma até ensurdecer a dor, procurando única e simplesmente uma saída, o alívio para essa carga pesada do abuso sexual.
Tinha tanta vergonha de mim que não consegui me ver no espelho, nem falar com ninguém, nem me perdoar, nem nada!
Mas há uma diferença sutil entre dar uma mão e acorrentar uma alma...
Minha alma estava acorrentada no lodo da culpa e do medo, na insegurança absoluta e na incredulidade em mim mesma.
Tive uma ressaca moral de tamanha magnitude que mal consegui olhar-me no espelho... até porque se olhasse veria as feridas físicas que já estavam dispostas a quem quer que fosse.
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O exercício da fala é um sujeito de importância peculiar e único nesse processo de enfretamento, de visita ao seu quarto de dor para que a faxina se processe no seu tempo, na sua velocidade rítmica.
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Enfrentar a dor e as conseqüências da violência sexual é laboratório de cotidiano e luz, de materialização da vida que pulsa ávida dentro de ti...
És forte, doce, corajosa, sensível, és bela, linda, solta, és livre em essência primeira...
Ascenda a luz...