sábado, 23 de dezembro de 2006


Natal Social

Sempre pensei no Natal como uma data triste e fria, não me era agradável já que via a família em que nasci deslizar no picadeiro da hipocrisia e da superficialidade.
Estávamos sempre todos juntos, em todos os natais, unidos por uma farta mesa, uma ceia abastada, mas seca de amor, de solidariedade simples como uma nota dó, ou o acorde maior do sol que aquece a alma e o coração.
Queria muito mais que uma mesa farta e o peru recheado, mais que o receber dos presentes do amigo secreto sempre presente nas festividades natalinas lá da casa de mamãe.
Pra mim, Natal era sempre de uma tristeza infinita, de um colapso na minha vida, e nos meus sonhos sempre frustrados, nos meus pesadelos constantes e sem fim.
Na minha vida havia um homem nada oculto que me vigiava os passos e me cerceava a liberdade e a felicidade.
Nenhuma festa, nenhum arco íris colorido, nada de paz e sossego.
Não tinha motivos para gostar ou sorrir o ano todo, quiçá no Natal, nessa comemoração sufocada pela moeda capital, e pela carência de humanidade, beneficência e desapego quase que generalizado.
Pra minha sorte, sempre acreditei que tudo podia ser bem diferente, e isso me manteve viva até hoje. Meus sonhos sempre me foram uma constante em velocidade atemporal, porém tão viscerais que me mantiveram acesa à chama da igualdade humana, da manjedoura de luz e amor maior.
Natal pra mim significa isso: a manifestação de um amor maior, da energia de um nascimento, sempre de coisas boas, de energias luminosas, redundantes e lúdicas a abençoar todo o planeta, todos os povos, independente de raça, credo, cor, orientação política, sexual, ou proposta de fé.
Somos iguais...
Viemos do mesmo ponto de origem, da mesma matéria de carbono 14, do mesmo Criador, da mesma fonte de delicadeza e genialidade ímpar!
Porque tanta descrença, tanta infelicidade, tanta indelicadeza com nossos iguais que dormem nas ruas, ao acaso, ao relento, entregues à vida alheia de nosso nariz?
Pra que tanto desamor, tanto apego à matéria que se acaba, que se esvai enquanto a vida caminha solenemente, sofreguidamente ao meio dia de um manhã quente, na fome de uma criança que pede uma moeda nos sinais, ou no trânsito dos transeuntes que seguem à pressa do cotidiano, sem perceber o que lhe é igual?
Nada nos separa, nem o fio metal que desprende em sua origem e necessidade, apenas a tranqüilidade dos dias, sem maiores pesares ou temores.
As coisas da matéria se diluem no ar, no tempo das coisas.
Mas sempre acreditei na beleza do ser que vive a experiência humana, apesar de todos os dissabores e intempéries.
O ser humano é irresistível, é uma estrela de cinco pontas que resplandece todos os dias a centelha divina que nos aquece a alma quando da emoção de um por do sol silencioso e divino, ou da emoção que fala mais sozinha e em silêncio, que com a voz da garganta que quase nada expressa da natureza das coisas de estar vivo.
Fui numa agência dos correios hoje, até havia uma intenção discreta de adotar uma carta, assumir um compromisso solidário, mas me perdi diante de uma árvore repleta de cartas. Pedidos muitos que se prendiam às expectativas de sonhos...
Uma carta me adotou...
Cláudia, uma guerreira com 6 filhos, pedia o mais inusitado das receitas de felicidade natalinas. Cláudia pedia alimento para seus filhos e tão delicadamente, me apaixonava a alma na sua história, na sua coragem e grandeza.
Cláudia é bem maior que os natais em família que estão na minha memória, é bem maior que as dificuldades que assistem seu cotidiano, Cláudia é bem maior que sua própria mão, que me adotou a alma através da letra e das palavras talhadas na sua lida, ali descritas, num papel amassado de dor, emudecido pelo choro dos 6 filhos que lhe pedem pão.
Saí a comprar o tal alimento, mas Cláudia me havia alimentado mais...
Mais que a felicidade da aquisição do que básico pra mim, lhe faltava à mesa.
Cláudia me encheu o natal de luz, de felicidade...
Ela me arrebatou o coração e bem mais que uma Mamãe Noel de ocasião, Cláudia ganhou uma prece para todo o ano. Na terça feira estarei na casa dela, para quem sabe, ajudar em algo além do alimento material, algo além da certeza da comida na mesa de sua casa, num dos bairros mais pobres de Fortaleza.
Nesse Natal, vou fazer uma prece silenciosa por Cláudia e agradecer a Deus todas as oportunidades da minha experiência humana, dessa fantástica viagem que é a vida!
Meu Natal ganhou significado hoje, às vésperas da comemoração oficial...
Deus me presenteou com a alegria de ver a esperança nascer apesar de todas as dificuldades, de todos os obstáculos, de toda a dor...
Deus me fez recordar dos meus natais frios, superficiais...
E me fez tocar profundamente a alegria da solidariedade, a humildade da igualdade humana, na delícia do sorriso de Cláudia ao receber seu presente das mãos de Papai Noel.
Obrigada Senhor pelo ano maravilhoso, ano de redenção e refazimento...

Obrigada Pai, Senhor da centelha de minha existência, obrigada por eu estar aqui...
Obrigada Deus pelo Natal de Cláudia, e pelo meu Natal.
Feliz Natal, feliz todos os dias...

segunda-feira, 30 de outubro de 2006


Contato
Essa da fotografia sou eu em 3 por muitas que se esvaem das imagens do meu quarto...
Essa imagem meio turva, meditativa e renovada é a cor mais simbólica do que sempre quis ser...
Tudo aqui me revela...
Tudo me enxerga longe...
Logo desfaço as malas e viajo pelo sol de minhas manhãs...
Aviso ao que sou que estou a ir...
Rumando à velocidade dos ventos que sopram luz em mim, me acordando cedinho para o pôr do meu luar...
Essa mulher da cara de pau cheia de amor e luz sou eu...
Sou aquela que desafia e inova, renova e abre as portas de minhas janelas,
a palma de minhas mãos e o clã família que meu coração aquece e abre para a alegria do meu viver hoje.
Essa que sou eu e que é chama e acorde maior...
Que ontem humana e medrosa,mas que agora rainha, despede o peso, a culpa e o medo...
Sou essa voz rouca que se conecta a vida com delicadeza e infância...
Essa lucidez que me habita e me enobrece,que sonha comigo nos detalhes em bemol...
Sou eu que me descalço, que me refaço das noites de insônia e lúcida, acordo o deserto e saio à rua...
Sou eu que continua viva entre o vácuo quântico e a noite inquieta...
Forte que sou, renasço força e luz todos os dias...
E tardes e noites e sempre...
Sempre quis ser eu... e agora sou.
Helena Damasceno

sexta-feira, 13 de outubro de 2006


Luz pede passagem
A vida pede passagem e assume outras formas e outros significados...
Ainda de luto pelas 154 vidas do acidente com o boing da gol...
Samantha e Jô já fazem o fechamento dessa etapa de suas jornadas terrenas... Suas vestimentas físicas assumem a identificação legal e se inicia o fechamento simbólico e necessário dessa etapa...
Jaz no céu um brilho de dignidade, ética, delicadeza e amor: Jô e Sam...
Me emocionei quando soube que a filhinha de Jô já sabe que sua mãe e sua madrinha viraram estrelas...
Efetivamente, estrelas incansáveis e guerreiras, estrelas de brilho raro e espetacularmente doce...
Ontem durante uma cansativa viagem a trabalho, foi inevitável não pensar nas meninas, na luta de uma vida e que as guiaram até o vôo definitivo.
Vi o sol nascer absoluto, vibrante e majestoso no céu...
Uma lição da vida do que opera movimento e luz...
A natureza me mostrava que havia uma partida dolorosa, mas necessária...
Me mostrava que o céu está ainda mais colorido com duas estrelas de primeira grandeza, ainda mais cheio de brilho absolutamente doce e digno...
Jô e Sam, duas almas luminosas e belas, agora assumem a energia da luz etérea...
Para quem me conhece mais intimamente e compreende minha luta e minha coragem, sabe quão significativa é a jornada humana, quão especial é o presente de estar aqui, nesse plano, oportunizando o Bem, operando em prol de...
Na minha passagem terrena, duas estrelas de brilho inefável, de grandeza delicada e ímpar, me apontam agora um caminho de luz e dignidade com seu brilho infinito, lá onde meus olhos não alcançam, mas minha alma e minha determinação sentem...Encontro-me em silêncio e profundo respeito pela dignidade da vida, pela beleza e grandeza de quem, agora luz, brilha no infinito...
Luz às famílias...
Luz... sempre luz...

segunda-feira, 2 de outubro de 2006


1907
Hoje aprendi uma lição inexplicável, jamais imaginada...
Vi lógica exata da matemática cair por terra e criar dor, criar revoltas, sentimentos não exatos e sem lógica logarítima.
Vi um número de quatro algarismos, quatro algarismos de espera pela chegada e pela felicidade em reencontrar afeto no cotidiano, transformarem-se em 3, assim, na rapidez do que se esvai fisicamente para sempre...
4 algarismos transformaram-se em dor, em três algarismos pesarosos e inacreditavelmente frios, quase inatingíveis por uma mata fechada e íngrime...
Hoje 155 vidas que retornavam às suas famílias, ficaram pelo ar...
Resta o silêncio e a saudade...
Jô Costa e Samantha Reis estavam naquele vôo...
Duas estrelas que agora luz, brilham no infinito...
Duas mulheres guerreiras, mães de duas menininhas, duas crianças pequenas...
A orfandade não é só das famílias que têm a gargante travada agora...
A orfandade é também nossa...
Não apenas pela vida humana que toma outras formas, outros significados...
A dor é agora nossa porque a causa da luta contra a Violência Sexual contra crianças e adolescentes tem nesse momento doloroso, duas estrelas que brilham noutro campo, noutra margem...
Não há justificativas para a morte física...
Elas não puderam voltar pra casa e conversar sobre a eleição... discutir com suas famílias seus votos, abraçar seus cotidianos, suas casas...
155 votos a menos, 155 cidadãos a menos nesse exercício legítmio de cidadania...
155 famílias unidas pela dor...
Semana passada escrevi sobre uma capacitação em que estive aqui na minha cidade... Falei dos profisonais que se afastam da humildade do amor...
Jô era amor...
Nem imaginava encontrar Jô Costa, não esperava ver uma estrela espalhar sua luz com tanta doçura assim tão perto de mim...
Elogiei alguns profissionais que têm na delicadeza da fala, a certeza de sua missão nessa luta contra a violência sexual, na humildade e retidão de caráter, na simplicidade mágica de sua vida.
Jô deixou sua luz em mim...
Gravei sua palestra, anotei suas falas, ela ganhou minha atenção, assim de cara, de graça...
Jô não terá tempo de aceitar meu convite no site orkut...
Não tive tempo de dizer para ela que havia me tornado sua fã...
Tempo que o avião não teve para defender-se da tragédia com o lagacy...
Tempo, tempo, tempo...
Samantha Xavier e Jô Costa eram duas grandes estrelas, comprometidas profissionais do CEDECA/BA, co-responsáveis pela implantação do Programa Sentinela no estado da Bahia e no Brasil, do PAIR e grandes batalhadoras pelos direitos das crianças e adolescentes...
Direitos humanos...
A lógica exata não funciona quando há dor...
A matemática inválida em nada auxilia as famílias, os amigos...
É direito nosso, enquanto estamos nessa fantástica viagem da experiência humana, sermos felizes...
Jô e Samantha estavam felizes, inteiras em suas vidas pessoais e profissionais...
Agora nossa luta conta com uma ajuda outra, Deus pediu por elas...
Às 10 horas da manhã de amanhã, estemos todos e todas unidas pela prece...
Todos... familiares, amigos, todas as pessoas que se emocionaram com esse acidente, juntos numa corrente de oração pelas 155 vidas envolvidas nesse acidente sem precedentes...
Peço que nesse horário, por favor, todos voltem sua fé na intenção de ajudar as famílias, os amigos e as 155 vidas que precisam de luz nesse momento.
Obrigada...
Silenciosamente, Luz...

sábado, 16 de setembro de 2006


Mais palavras




Vim dizer que estou bem e que continuo caminhando de pé, com a mesma deteminação, apesar da poeira que ainda está dentro do meu quarto, mas que continuo a limpar e reorganziar, redimensionar.
É o meu tempo de cicatriz...
Desejo a todas e todos muita paz, e continuo apontando o caminho do amor e do auto perdão, do conhecimento de si e da importância terapia, da fala para fundamentar, enquanto catarse mais que necessária ao refazimento de nossa história, um caminho de amor que nos alivia e alimenta a luz de libertação, reconstrução e cura.
Paz e Bem...
Namastê!

sexta-feira, 14 de julho de 2006


Vida de Caixinha




Orgulhe-se de si mesma, não se envergonhe pela história dolorosa que trazes consigo...
“Experiência não é aquilo que acontece a um homem.
É o que um homem faz com o que lhe acontece.”
Acreditando na nossa capacidade de ser mais, na nossa capacidade de viver a experiência humana em sua plenitude, é que chegaremos a perceber as belezas de nosso espaço interior.
Poderemos ver que no nosso quarto pessoal, além da dor e das conseqüências dela, há as ferramentas de beleza, de resiliência e força, de coragem, de auto amor e auto perdão.
Nesse quarto pessoal estamos nós em essência de espelho e humanidade e estamos sim aptas à vivência do caminho luminoso de reconstrução, libertação e cura!
(...)
A felicidade é um movimento de simplicidade, de interação aberta entre você e sua caverna interior na alegoria simbólica de escuridão e claridade, de deslocamento ou afastamento do equilíbrio interior.
Começamos a construir dentro de nós, dentro da nossa cabeça a partir das construções mentais e idéias pensamento, a realidade que queremos partilhar e conviver.
Felicidade está no intercâmbio seu com seus espaços de convivência e de conveniência, está no ínterim de seus subterfúgios quanto ao enfretamento da caixa de sua Pandora, ou da fuga dela.
Cabe somente a ti seguir abrigando todo o dolo e ônus (que não temos de modo algum) da responsabilidade do abuso sexual ou largar a terceira perna de medo e insegurança seguindo a estrada da reconstrução interior, libertação e cura.
Temos a capacidade criativa de construir o queremos ser, viver e sentir, fazer ou desfazer, amar ou destruir. E fazemos isso conosco...
Ao longo da caminhada desenvolvemos uma série de transtornos na tentativa de afogar a dor nas máscaras da fuga, do esquecimento empoeirado do quarto de dor...
Fobias, compulsões alimentares, distúrbios do sono, pânico, borderline, bulimia, anorexia, psicopatologias de várias ordens e graus, sintomas físicos reais e constantes, somatizações do imenso fardo carregado.
O fato é que, consumidas pela culpa, vivemos o holocausto da dor absurda e violenta a cada instante e torturamo-nos com lâminas, tesouras, com as mãos, em paredes e portas, escadas, na alimentação desmedida, na exposição às situações de perigo, em relações patológicas, numa vitimização permanentemente aberta e compulsiva em todos os espaços de sociabilidade.
Ano passado, em meados de dezembro, após uma seção de terapia, me machuquei forte e violentamente.
Já tinha feito isso através de outras ferramentas, mas assim, utilizando o auto flagelo e auto espancamento, foi a primeira vez... e foi muito ruim...
Machuquei meu corpo atirando-o contra as paredes, despejando minhas mãos com intensa ira na pele condoída, repetindo comandos lesivos e auto punitivos, chorando muito, gritando comigo mesma até ensurdecer a dor, procurando única e simplesmente uma saída, o alívio para essa carga pesada do abuso sexual.
Tinha tanta vergonha de mim que não consegui me ver no espelho, nem falar com ninguém, nem me perdoar, nem nada!
Queria me punir, ficar sozinha por que tinha vergonha e tinha medo de que culpassem, fiquei com medo de ser abandonada pelas pessoas que me haviam dado uma mão.
Mas há uma diferença sutil entre dar uma mão e acorrentar uma alma...
Minha alma estava acorrentada no lodo da culpa e do medo, na insegurança absoluta e na incredulidade em mim mesma.
Tive uma ressaca moral de tamanha magnitude que mal consegui olhar-me no espelho... até porque se olhasse veria as feridas físicas que já estavam dispostas a quem quer que fosse.
(...)
Não é um caminho fácil o do enfrentamento, mas é um caminho necessário, é o remédio que arde, porque vamos mexer nas feridas inevitavelmente, mas que cicatriza certamente após o exercício do enfrentamento, da psicoterapia e do caminho do auto perdão e amor próprio.
O exercício da fala é um sujeito de importância peculiar e único nesse processo de enfretamento, de visita ao seu quarto de dor para que a faxina se processe no seu tempo, na sua velocidade rítmica.
(...)
Crescer dói... mas não vai doer mais do que já doeu...
Essa dor já foi, está nas coisas do passado e não estamos mais em situações de vitimização direta, salvo quem ainda sofre a invasão sexual.
Enfrentar a dor e as conseqüências da violência sexual é laboratório de cotidiano e luz, de materialização da vida que pulsa ávida dentro de ti...
És forte, doce, corajosa, sensível, és bela, linda, solta, és livre em essência primeira...
Ascenda a luz...

quinta-feira, 13 de julho de 2006


Pele de Cristal

Nada me difere de ti...
Apenas a geografia estática e inalterada salvo pela ação da mão do ser humano, que mesmo sem alterar a distância, muda a paisagem a seu favor...
Mude sua paisagem...
Muito a comemorar nesse dia...
Estou sim feliz, sem nenhum vácuo de sombra, sem nenhum sentimento carregado de medo, de apatia, nenhuma carga densa a me espreitar os novos caminhos.
Estou feliz comigo mesma, sinto-me bem e inteira ao olhar para mim nessa jornada de reconstrução, libertação e cura.
Nesse enfrentamento com o holocausto da dor, com as conseqüências do abuso sofrido, vi muitas coisas dolorosas no caminho, muita poeira batida, já fazendo parte dos passos dados, , tinha vergonha de mim e do meu corpo, da minha voz, da minha vida, vivia submersa em muitas mágoas e assuntos inacabados, muito rancor e raiva, muita raiva, principalmente de mim, haviam muitas cobranças e muita culpa.
Tinha receio de enfrentar a verdade e ter vergonha de mim, de uma menina fraca que não soube lutar, que não soube o que fazer com a própria vida.
Quando comecei essa jornada não sabia o que ia encontrar, mas fazia um falso e pesado juízo de valor de mim, carregava o peso e a responsabilidade do que ma havia acontecido na infância e adolescência...
Mas eu sabia que seria assim, que no início teria medo de não conseguir, de não superar as dificuldades, mas mesmo assim, decidi enfrentar esse novo caminho que se abria à minha frente com garra, como se fosse a única saída... Segui cabeça e peito abertos, mente e corpo abertos às novas perspectivas de viver.
E deu certo...
De pronto, avistei uma mulher gigante, sempre agarrada à vida, apesar das tamanhas adversidades, das auto-sabotagens e dos inúmeros medos, do meu confuso modo de me manter viva.
Afastava o que era bom porque tinha medo de vivê-lo, além de acreditar que não o merecia e que de já estar habituada a viver naquele carrossel interminável e violento de torpor.
Hoje olho para trás com poucos resquícios de vergonha e medo... o que vivi já foi, pertence ao ontem, e não poderei jamais alterar o que está na tela.
Mas posso fazer muitas coisas a partir dessa fato específico, dessa tela pintada pela mão invasiva da violência sexual intrafamiliar. Posso a moldura, ou quem sabe mudar o quadro de lugar, ou até mesmo ver outras efígies dele, que antes não percebia, ou quem diria, posso pintar um novo quadro... posso, eu posso!
Quão significativo esse verbo, essa ação direta de intervenção oportuna e minha: eu posso!
Percebi que posso mudar minhas idéias e que posso transpor os fantasmas que habitavam meu cemitério particular, cultivado todos os dias por uma culpa e pela vergonha que nunca foram minhas.
Via a dor como única fonte onde buscar rotina, onde buscar atitudes, comportamentos, reações, padrões...
Seguia como num ditado rítmico, a acompanhar a cadência da dor e da auto piedade como única forma de levar e experimentar a vida...
Cansei de me esconder, de driblar minhas digitais fortes e doces, cansei de me punir por um crime que nunca cometi e que não me dispus à cumplicidade em nenhum momento, sob qualquer hipótese.
Pele de cristal é a alegoria de uma mulher que saiu da caverna da dor e do medo absoluto de cara aberta, corajosamente, é a alegoria da caverna dessa mulher que percebeu enfim que podia ser livre, ser leve, que a justiça primeira deveria estar dentro de si a libertar-lhe os passos...
A violência do abuso sexual me invadiu e me coordenou os passos e a vida por longos anos... Não mais!
Estou viva, sou dona de minhas idéias, de mim mesma e da minha vida, de como quero vivê-la, de o que fazer para ser o que eu quiser ser, leve, feliz, um ser mais essencialmente humano nessa experiência de viver...
O que eu quero ser está dentro de mim!
Dei poder a muitas mentiras que ganharam força e tornaram-se verdade, uma verdade de papel e ilusão que me tirou a saúde física, emocional, mental e espiritual muitos anos.
Lutei por mim mesma...
Tenho me percebido uma mulher gigante nessa caminhada de redescobrimento e refazimento do meu quarto pessoal, onde nesse caminho de amor e auto perdão, prefiro retirar a poeira da dor e deixar que as cicatrizes permanentes me acarinhem e me balzamizem o fôlego e os passos.
Muito a comemorar...
Meu 1º ciclo de libertação, meus primeiros passos dados como Helena verdadeiramente, não como Lelezinha machucada, ferida e tomada pelo absurdo da dor imbatível e excludente...
Me excluí do prazer de viver a leveza da vida, de curtir a delícia de ser humana, de ser quem sou.
Mas lutei por mim e comemoro hoje o sorriso verdadeiro e largo na face emocionada.
Venci meus primeiros fantasmas, venci a mim mesma nesse primeiro round de viver!
Tenho muito orgulho de mim, não me envergonho de ter sofrido violência sexual, não tenho mais aquele medo injustificado, meus pés estão tranqüilos no chão, caminhando sem pressa, com alívio pela leveza que retirou o peso e a vergonha das costas ressabiadas.
Foi sim uma experiência muito ruim...
Mas tenho percebido que tudo é experiência e que o que te faz caminhar é o que movimento que você faz com essas experiências, é como você as vê, como reage a elas e partilha o efeito dessas experiências nos seus espaços de convivência.
Orgulhe-se de si mesma, não se envergonhe pela história dolorosa que trazes consigo...
“Experiência não é aquilo que acontece a um homem.
É o que um homem faz com o que lhe acontece.”
Acreditando na nossa capacidade de ser mais, na nossa capacidade de viver a experiência humana em sua plenitude, é que chegaremos a perceber as belezas de nosso espaço interior.
Poderemos ver que no nosso quarto pessoal, além da dor e das conseqüências dela, há as ferramentas de beleza, de resiliência e força, de coragem, de auto amor e auto perdão.
Nesse quarto pessoal estamos nós em essência de espelho e humanidade e estamos sim aptas à vivência do caminho luminoso de reconstrução, libertação e cura!
E que venham as borboletas...
Feliz dia de Helena...

sábado, 1 de julho de 2006


Rompendo o ciclo de dor
“Você não pode ser o que almeja ser se estiver satisfeito com aquilo que você é”.
Para parar de doer, tem que mexer...
Mexa-se, saia do lugar...
No seu tempo, na sua hora de plantio...
Caminha e colhe...
Nesse movimento de altos e baixos, seguia vivendo meio que à força, deixando a vida me levar e me arrastar num vai e vem zonzo. Andava meio que um zumbi sem esperanças de viver sem aquele peso e aquela dor.
Fiz terapia outras vezes, e cada vez que um processo terapêutico se aproximava das feridas que o abuso deixou, eu fugia desesperadamente.
Fugi muitas vezes desse enfrentamento, porque tinha medo da dor, de não ser capaz de suportá-la e morrer dela, num exagero simbólico e real.
Ainda morava na casa da mamãe quando contei pra uma professora de literatura de quem eu gostava muito.
Num primeiro momento ela me apoiou e me acolheu, entretanto, como o abuso já era uma rotina e os estupros já haviam começado, ela perdeu a educação, a solidariedade e a paciência rasgando uma frase que jamais consegui esquecer: ah minha filha, então você gosta, faça-me o favor!
Ela não sabia que uma pessoa vítima de violência sexual na infância é vítima no cotidiano e que desde a mais terna infância é presa àquele padrão de sofrimento e dolo, ficamos amarradas por laços traçados a partir da falsa idéia de culpa, vergonha e medo das ameaças verbais e da violência física.
(...)
Estamos habituadas ao padrão de dor, culpa, e medo. Essa idéia de que não é possível viver diferente, sem essa dor, sem esses altos e baixos está cristalizada na nossa vida e as feridas do abuso sexual são muito intensas e muito profundas.
Não se iluda: para superá-las, você terá que quebrar o pacto de silêncio com sua falsa segurança e comodidade.
Enfrentar as conseqüências da violência sexual não vai doer mais do que já doeu porque o abuso já passou.
O que você sente são as conseqüências dele, a dor da violência.
E mexer nas feridas não vai doer mais do que a vivência da violência no momento em que ocorria.
Falar sobre o que aconteceu, escrever, pintar, gritar essa dor, seja qual for a ferramenta que você se utilizar, nada disso é vivê-la de novo, salvo terapeuticamente em catarses necessárias e espontâneas.
Mesmo quando já estava fora da casa da mamãe, não me era possível respirar direito, ser inteira comigo ou viver uma relação de qualquer natureza de maneira inteira.
Me assustava com qualquer coisa, tinha pesadelos à noite, não conseguia dormir, me alimentava mal, bebia desesperadamente, usava máscaras de alegria, mostrando pros outros que era feliz, muito para que ninguém se aproximasse de mim ou se metesse na vida.
Eu me sentia menor em tudo, sempre um peso, sempre um fardo.
(...)
Era a culpa que eu sentia, a vergonha de ter sido abusada sexualmente que fazia com que eu me escondesse da vida e das coisas de estar viva.
Me sentia um peso pra tudo e todos, mas isso de certa forma me trazia um ganho secundário de vitimização que me mantinha segura e longe do pesadelo do abuso.
Para quebrar esse padrão e interromper seu campo de ação foi necessário falar.
Falar é estabelecer confiança consigo mesma e descobrir um caminho de acesso à sua criança machucada.
Andei à margem da vida, à mercê da culpa e da vergonha muitas vezes. Me cobri de dor, vesti o peso da culpa e esqueci de mim num processo auto destrutivo que durou até aqui, meses atrás.
(...)
O Abuso sexual tem conseqüências funestas e deixa muitas sombras estreitando os caminhos da vítima.
Passamos por vários estágios... negação, culpa, medo, desequilíbrios emocionais, psicológicos e físicos, fobias, vazio, fugas...
Cuide de você, preocupe-se com suas feridas com amor, redescubra esse caminho com suas próprias ferramentas, procure ajuda, apoio terapêutico, busque um caminho de amor para consigo, não o contrário...
O que importa nessa ciranda de silêncio é você!
Toma posse de ti mesma!

quinta-feira, 29 de junho de 2006



Frio de ferrugem

Não precisamos sentir medo ou vergonha!
Não é uma dor eterna...
Viver é uma oportunidade em movimento...
A vida é um vivo processo de se tornar!
Quando eu tinha 10 anos o abuso já acontecia há pelo menos 5 e eu já demonstrava claros sinais de que algo de errado acontecia comigo.
Tinha despencado de rendimento na escola, dificuldades visíveis de aprendizagem, era uma criança que evitava se socializar com as demais, já tinha tentado fugir de casa, mal falava, andava arisca e cabisbaixa. Havia algo fora do lugar ali.
Apanhei muito da minha mãe biológica porque ela me chamava de preguiçosa, repetia que não queria aprender e ser alguém na vida.
Quanto mais ela me batia, mais me fechava no meu casulo de proteção, num espaço onde pudesse sonhar, onde pudesse ver saída daquela situação.
Aos dez anos já estava envolvida na teia do medo, da coibição.
Detesto tabuada de 7,8 e 9, nunca aprendi...
Apanhei muito na cabeça para decorar, e quanto mais apanhava, menos aprendia, chorava compulsivamente num soluço que atingia muito mais minha alma que a meu corpo.
Desenvolvi uma técnica associativa de aprendizagem muito particular. Fazia combinações de coisas, fatos, cores, estímulos para que meu cérebro pudesse desenvolver seus talentos cognitivos.
Só assim aprendi a ler, escrever e a tomar parte das cosias técnicas da vida.
Minha família tem a peculiaridade de ser matriarcal, com a figura masculina supostamente ausente no papel do homem, mas com as funções masculinas sendo executadas pela figura feminina.
Eu tinha 4 referências filiais, mas nenhuma identidade filial.
A minha cabeça era um emaranhado de confusões explodindo a cada 2 dias num intercâmbio de papéis. Cada pai e mãe tinham a sua função, por assim dizer.
Um pagava a escola, outro escondia chupetas e me paparicava, outro era o coibidor, outro ensinava as tarefas de escola, etc, etc, etc.
Esses papéis se intercalavam e se complementavam.
Era como se eu tivesse saído de dois espermatozóides e dois úteros ao mesmo tempo.
Agora imaginem a confusão na minha cabeça: some-se a isso um quadro de bullyng, assédio moral e violência sexual.
Tinha que ser uma criança “estranha” mesmo.
Quando eu tinha 11 anos meu pai biológico foi embora de casa.
Por incrível que possa parecer, ele apanhava da minha mãe e com o agravamento do desemprego, foi para sua cidade natal.
No dia em que ele foi embora, meu pai se dirigiu até a escola em que estudávamos eu e meu único irmão consangüíneo, que é 3 anos mais novo que eu.
Meu pai foi se despedir dele e pedir que ele assumisse a casa, porque ele dali por diante seria o único homem... Nunca engoli isso!
Meu pai foi embora, não se despediu de mim, e ainda por cima conversou de homem pra homem com meu irmão, que não tinha idade nem pra dizer o número do telefone de casa.
Queria ser reconhecida como ser humano independente de ser mulher ou homem. Já sofria tantas barbaridades, pensava que se ele tivesse me dito o que ia fazer, eu teria ido com ele.
Àquela época, meu pai biológico era um herói pra mim...
Um herói de areia desfeito naquele momento.
Nem ele fora capaz de me proteger e me salvar do meu tio...
Me sentia abandonada novamente, entregue às mãos do meu tio que se aproximava de mim cada vez mais, se sentindo meu dono e senhor.
Afundava no processo de abuso, sem forças pra dizer palavra que fosse ação, me abandonava no caminho e me escondia, me tornando cada vez mais esquisita, dando cada vez mais sinais de estranhamento e solidão.
Vivia doente quando criança porque me sentia segura dentro do hospital.
Lá dentro meu tio não podia abusar de mim, então passava uma semana internada, duas em casa, depois voltava ao hospital e ficava nesse movimento incansavelmente.
Não tomava banho, não sorria, não penteava o cabelo, não brincava na rua, não tinha amiguinhos a me visitar em casa, nada!
Eu só estudava... apenas isso. Entrava cada vez mais no meu mundo buscando um momento, um espaço de proteção em que em de fato me sentisse segura.
Comecei a pensar porque tinha nascido, pra sofrer? Nunca acreditei nisso!
Era atribuir um valor humano demais a um Deus que sempre me foi amoroso, amigo.
Falando de Deus, minha inocência infantil é de uma delicadeza!!!
Quando criança, acreditava que Deus era um homem. Como toda criança, eu era louca por balas e doces, saía escondido pra comprá-los na bodega da esquina. Minha mãe brigava comigo por conta das cáries, do verme, etc.
Ela dizia que se eu comesse escondido, Deus que era muito íntimo dela, ia ver e contaria pra ela. Como eu achava que Deus era um homem, ia comer no banheiro porque homem não acompanhava a mulher no banheiro, meu segredo estaria seguro.
Foi quando rompi meus laços com esse Deus humano...
Havia um homem na minha vida que não só entrava no banheiro comigo, como abusava de mim da maneira mais violenta e vil possível.
Fiquei sem referência de fé por muitos anos, desde a mais terna infância até a juventude quando reencontrei Deus mais amoroso e menos humano.
Mas a imagem lúdica e pueril da criança que acredita na simplicidade do respeito entre os seres, é tamanha que me emociona até hoje, basta recordar pra sentir.
Recuperar minha história é também reaprender a amar minhas pecinhas, os pedaços de mim que se somaram nessa trajetória, me transformando na mulher forte que sou, é também olhar para trás e não se envergonhar dos passos idos, ou sentir pena do caminho trilhado...
O que foi passou já foi nada vai mudar isso.
O que fica da experiência do tempo é o aprendizado da maturidade.
Quando saí do alcance da minha família, rompendo aquele ciclo de violência vivida no cotidiano, escapei do alcance da mão do abuso, mas as conseqüências dele, o padrão de co-dependência permaneceu grudado à minha trajetória até quase agora, meses atrás, quando decidi por mim, quando percebi que era necessário me desligar dessa tomada enferrujada e fria.
O ato de fazer esse desligamento é algo que precisamos fazer frequentemente, devagar e sempre, sem pressa de chegar, sem medo, lutando só por hoje e por agora, e o fazemos quando decidimos por nós, quando lutamos para viver sem o peso da culpa, do medo e da vergonha do abuso.
Para viver nossas próprias vidas, precisamos sentir nossas emoções sem a carga da vergonha e da culpa, precisamos desse enfrentamento com nosso quarto de porão, com nossos zumbis de plantão, até que nos desliguemos desse objeto de peso e dor.
Não somos doentes, não somos alvo a vida inteira de abusos outros e co-dependência.
“O segredo é não correr atrás das borboletas!
É cuidar do seu jardim, pra que elas venham até você!”

terça-feira, 27 de junho de 2006



A flor do amor


Mude sua forma de amar você!
Acarinhe-se...
A si e a seus passos, às suas possibilidades.
Você não consegue vê-las? Olhe com calma, mude o foco de atenção, amplie sua consciência... Você merece ser feliz por existir, por viver essa jornada humana.
A força do medo não é maior que a coragem e a certeza de chegar à reta final.
Vem comigo... a gente se ajuda!
O que o olho vê?
Permita-se sair do lugar...
Nunca acreditei que seria capaz de superar, nem mesmo quando procurava terapia ou alguma outra forma de ajuda.
Não acreditava porque tinha um pensamento cristalizado e que guiava minha vida: eu mereço sofrer!
Demorei muitos anos pra começar a pensar na possibilidade de sair do chão. Vivia no chão, sentada, chorando pedindo que tivessem pena de mim porque eu era vítima, sofria demais e merecia a pena do mundo.
Pena não é um sentimento leve de receber...
Pena vem com o peso da imobilidade.
Se meu sofrimento acabasse, acabava a pena e acabava também a relação que havia construído de pena, de dependência.
Eu era a primeira a ter pena de mim... pedia, ordenava que o mundo tivesse a mesma imagem de mim: uma pessoa suja, irresponsável, culpada. Criei um julgamento e eu mesma me sentenciei culpada.
Tinha tanta culpa, tanta raiva de mim por ter “permitido” o abuso sexual, que não me reconhecia em nenhuma foto antiga, aliás, tenho poucos registros fotográficos porque me detestava. Não valia a pena gastar foto com esse alguém tão execrável.
(...)
Quando papai morreu, estava tendo certa estabilidade. Tava namorando, tinha um emprego e moradia fixa, até tentava refazer os laços com minha mãe biológica, ia a casa dela com mais freqüência.
Engraçado, pra não dizer irônico, era quando ela dizia assim: “vê tu te sustenta nesse emprego... quem tem o seu que segure... vê se não faz besteira...“.
Minha mãe sempre esperou que eu fosse à resposta às frustrações dela.
Sempre foi muito difícil nossa convivência, parecíamos mais duas concorrentes, em que na verdade eu não sei.
Nunca entendi o porquê, e não espero mais por essa resposta.
Cuido do que está dentro de mim e do que depende de mim.
Me culpei pela morte do papai e abandonei o emprego, entrei numa fase de depressão profunda e pela primeira vez precisei de medicação. Eu sequer ouvia músicas. Deixei de tocar em barzinhos, terminei meu relacionamento, saía de casa à procura de fé, queria saber o que era e como cultivá-la...
Queria apertar um botão e fazer a dor passar, ou comprar uma vida novinha em folha no supermercado mais próximo.
Minha cabeça tentava elaborar uma profusão de informações negativas a meu respeito e inúmeros comandos de culpa, vergonha e medo; e nada me demovia da culpabilidade de tudo que havia de errado no mundo. Carregava-a nas costas num processo de punição e vitimização intenso e violento.
(...)
Sentia um peso que chegava a me sufocar, vivia em constante desequilíbrio e desenvolvia algumas doenças, até certo ponto, resultado de somatizações emocionais.
Andava carregada por essa terceira perna, me arrastando dia após dia, sentindo pena de mim e seguindo meu padrão vitimado, sempre na defensiva, sem me envolver profundamente com ninguém porque não havia confiança e nem me deixava levar por ela, quando havia essa possibilidade, muito menos pelo que a vida pudesse me oferecer de bom.
Mas era na minha cabeça que estava a vergonha e a culpa, não no meu corpo.
Minha essência não foi violada, apenas ao meu corpo a violência atingiu.
Estava submersa na ótica da violência e me encontrava vegetativa deixando a vida me levar sem minha coordenação.
Meus pensamentos coordenaram minha vida até aqui de modo carregado, em desalinho.
Agora o fazem novamente, mas demito esse padrão de medo, sofrimento e solidão.
(...)
Somente eu posso enfrentar esse processo, com a ajuda externa da terapia, é claro, mas somente eu poderia mexer no meu baú de dor.
Não denunciei meu tio, saí de casa, não há laços de amor consistentes com a minha família, mas não penso mais neles com o peso da raiva ou da vingança...
Não há fórmulas mágicas...
Cada uma de nós seguirá em seu processo de cura com seus próprios pés.
Cuido de mim, por assim dizer, caminhando mais leve tirando meus pés da lama das conseqüências do abuso e de tudo que sofri.
O meu primeiro passo foi acreditar em mim enquanto ser capaz de modificar minha própria vida, foi me dispor a trilhar o caminho do amor próprio e do auto-perdão.
(...)
Superar é um todo dia, tal o sol que nasce incansável numa dança harmônica de cotidiano e luz.
Não podemos mudar o passado, mas podemos nos cobrir com vestes mais leves como o amor próprio e o auto-conhecimento, e menos levianas que a culpa e o medo.
Podemos trazer ao presente a possibilidade da esperança e da cura.
“Sou um só, mas ainda assim sou um; não posso fazer tudo, mas ainda assim posso fazer alguma coisa; e não é porque não posso fazer tudo que vou deixar de fazer o que posso.”