sábado, 1 de julho de 2006


Rompendo o ciclo de dor
“Você não pode ser o que almeja ser se estiver satisfeito com aquilo que você é”.
Para parar de doer, tem que mexer...
Mexa-se, saia do lugar...
No seu tempo, na sua hora de plantio...
Caminha e colhe...
Nesse movimento de altos e baixos, seguia vivendo meio que à força, deixando a vida me levar e me arrastar num vai e vem zonzo. Andava meio que um zumbi sem esperanças de viver sem aquele peso e aquela dor.
Fiz terapia outras vezes, e cada vez que um processo terapêutico se aproximava das feridas que o abuso deixou, eu fugia desesperadamente.
Fugi muitas vezes desse enfrentamento, porque tinha medo da dor, de não ser capaz de suportá-la e morrer dela, num exagero simbólico e real.
Ainda morava na casa da mamãe quando contei pra uma professora de literatura de quem eu gostava muito.
Num primeiro momento ela me apoiou e me acolheu, entretanto, como o abuso já era uma rotina e os estupros já haviam começado, ela perdeu a educação, a solidariedade e a paciência rasgando uma frase que jamais consegui esquecer: ah minha filha, então você gosta, faça-me o favor!
Ela não sabia que uma pessoa vítima de violência sexual na infância é vítima no cotidiano e que desde a mais terna infância é presa àquele padrão de sofrimento e dolo, ficamos amarradas por laços traçados a partir da falsa idéia de culpa, vergonha e medo das ameaças verbais e da violência física.
(...)
Estamos habituadas ao padrão de dor, culpa, e medo. Essa idéia de que não é possível viver diferente, sem essa dor, sem esses altos e baixos está cristalizada na nossa vida e as feridas do abuso sexual são muito intensas e muito profundas.
Não se iluda: para superá-las, você terá que quebrar o pacto de silêncio com sua falsa segurança e comodidade.
Enfrentar as conseqüências da violência sexual não vai doer mais do que já doeu porque o abuso já passou.
O que você sente são as conseqüências dele, a dor da violência.
E mexer nas feridas não vai doer mais do que a vivência da violência no momento em que ocorria.
Falar sobre o que aconteceu, escrever, pintar, gritar essa dor, seja qual for a ferramenta que você se utilizar, nada disso é vivê-la de novo, salvo terapeuticamente em catarses necessárias e espontâneas.
Mesmo quando já estava fora da casa da mamãe, não me era possível respirar direito, ser inteira comigo ou viver uma relação de qualquer natureza de maneira inteira.
Me assustava com qualquer coisa, tinha pesadelos à noite, não conseguia dormir, me alimentava mal, bebia desesperadamente, usava máscaras de alegria, mostrando pros outros que era feliz, muito para que ninguém se aproximasse de mim ou se metesse na vida.
Eu me sentia menor em tudo, sempre um peso, sempre um fardo.
(...)
Era a culpa que eu sentia, a vergonha de ter sido abusada sexualmente que fazia com que eu me escondesse da vida e das coisas de estar viva.
Me sentia um peso pra tudo e todos, mas isso de certa forma me trazia um ganho secundário de vitimização que me mantinha segura e longe do pesadelo do abuso.
Para quebrar esse padrão e interromper seu campo de ação foi necessário falar.
Falar é estabelecer confiança consigo mesma e descobrir um caminho de acesso à sua criança machucada.
Andei à margem da vida, à mercê da culpa e da vergonha muitas vezes. Me cobri de dor, vesti o peso da culpa e esqueci de mim num processo auto destrutivo que durou até aqui, meses atrás.
(...)
O Abuso sexual tem conseqüências funestas e deixa muitas sombras estreitando os caminhos da vítima.
Passamos por vários estágios... negação, culpa, medo, desequilíbrios emocionais, psicológicos e físicos, fobias, vazio, fugas...
Cuide de você, preocupe-se com suas feridas com amor, redescubra esse caminho com suas próprias ferramentas, procure ajuda, apoio terapêutico, busque um caminho de amor para consigo, não o contrário...
O que importa nessa ciranda de silêncio é você!
Toma posse de ti mesma!