sexta-feira, 14 de julho de 2006


Vida de Caixinha




Orgulhe-se de si mesma, não se envergonhe pela história dolorosa que trazes consigo...
“Experiência não é aquilo que acontece a um homem.
É o que um homem faz com o que lhe acontece.”
Acreditando na nossa capacidade de ser mais, na nossa capacidade de viver a experiência humana em sua plenitude, é que chegaremos a perceber as belezas de nosso espaço interior.
Poderemos ver que no nosso quarto pessoal, além da dor e das conseqüências dela, há as ferramentas de beleza, de resiliência e força, de coragem, de auto amor e auto perdão.
Nesse quarto pessoal estamos nós em essência de espelho e humanidade e estamos sim aptas à vivência do caminho luminoso de reconstrução, libertação e cura!
(...)
A felicidade é um movimento de simplicidade, de interação aberta entre você e sua caverna interior na alegoria simbólica de escuridão e claridade, de deslocamento ou afastamento do equilíbrio interior.
Começamos a construir dentro de nós, dentro da nossa cabeça a partir das construções mentais e idéias pensamento, a realidade que queremos partilhar e conviver.
Felicidade está no intercâmbio seu com seus espaços de convivência e de conveniência, está no ínterim de seus subterfúgios quanto ao enfretamento da caixa de sua Pandora, ou da fuga dela.
Cabe somente a ti seguir abrigando todo o dolo e ônus (que não temos de modo algum) da responsabilidade do abuso sexual ou largar a terceira perna de medo e insegurança seguindo a estrada da reconstrução interior, libertação e cura.
Temos a capacidade criativa de construir o queremos ser, viver e sentir, fazer ou desfazer, amar ou destruir. E fazemos isso conosco...
Ao longo da caminhada desenvolvemos uma série de transtornos na tentativa de afogar a dor nas máscaras da fuga, do esquecimento empoeirado do quarto de dor...
Fobias, compulsões alimentares, distúrbios do sono, pânico, borderline, bulimia, anorexia, psicopatologias de várias ordens e graus, sintomas físicos reais e constantes, somatizações do imenso fardo carregado.
O fato é que, consumidas pela culpa, vivemos o holocausto da dor absurda e violenta a cada instante e torturamo-nos com lâminas, tesouras, com as mãos, em paredes e portas, escadas, na alimentação desmedida, na exposição às situações de perigo, em relações patológicas, numa vitimização permanentemente aberta e compulsiva em todos os espaços de sociabilidade.
Ano passado, em meados de dezembro, após uma seção de terapia, me machuquei forte e violentamente.
Já tinha feito isso através de outras ferramentas, mas assim, utilizando o auto flagelo e auto espancamento, foi a primeira vez... e foi muito ruim...
Machuquei meu corpo atirando-o contra as paredes, despejando minhas mãos com intensa ira na pele condoída, repetindo comandos lesivos e auto punitivos, chorando muito, gritando comigo mesma até ensurdecer a dor, procurando única e simplesmente uma saída, o alívio para essa carga pesada do abuso sexual.
Tinha tanta vergonha de mim que não consegui me ver no espelho, nem falar com ninguém, nem me perdoar, nem nada!
Queria me punir, ficar sozinha por que tinha vergonha e tinha medo de que culpassem, fiquei com medo de ser abandonada pelas pessoas que me haviam dado uma mão.
Mas há uma diferença sutil entre dar uma mão e acorrentar uma alma...
Minha alma estava acorrentada no lodo da culpa e do medo, na insegurança absoluta e na incredulidade em mim mesma.
Tive uma ressaca moral de tamanha magnitude que mal consegui olhar-me no espelho... até porque se olhasse veria as feridas físicas que já estavam dispostas a quem quer que fosse.
(...)
Não é um caminho fácil o do enfrentamento, mas é um caminho necessário, é o remédio que arde, porque vamos mexer nas feridas inevitavelmente, mas que cicatriza certamente após o exercício do enfrentamento, da psicoterapia e do caminho do auto perdão e amor próprio.
O exercício da fala é um sujeito de importância peculiar e único nesse processo de enfretamento, de visita ao seu quarto de dor para que a faxina se processe no seu tempo, na sua velocidade rítmica.
(...)
Crescer dói... mas não vai doer mais do que já doeu...
Essa dor já foi, está nas coisas do passado e não estamos mais em situações de vitimização direta, salvo quem ainda sofre a invasão sexual.
Enfrentar a dor e as conseqüências da violência sexual é laboratório de cotidiano e luz, de materialização da vida que pulsa ávida dentro de ti...
És forte, doce, corajosa, sensível, és bela, linda, solta, és livre em essência primeira...
Ascenda a luz...

quinta-feira, 13 de julho de 2006


Pele de Cristal

Nada me difere de ti...
Apenas a geografia estática e inalterada salvo pela ação da mão do ser humano, que mesmo sem alterar a distância, muda a paisagem a seu favor...
Mude sua paisagem...
Muito a comemorar nesse dia...
Estou sim feliz, sem nenhum vácuo de sombra, sem nenhum sentimento carregado de medo, de apatia, nenhuma carga densa a me espreitar os novos caminhos.
Estou feliz comigo mesma, sinto-me bem e inteira ao olhar para mim nessa jornada de reconstrução, libertação e cura.
Nesse enfrentamento com o holocausto da dor, com as conseqüências do abuso sofrido, vi muitas coisas dolorosas no caminho, muita poeira batida, já fazendo parte dos passos dados, , tinha vergonha de mim e do meu corpo, da minha voz, da minha vida, vivia submersa em muitas mágoas e assuntos inacabados, muito rancor e raiva, muita raiva, principalmente de mim, haviam muitas cobranças e muita culpa.
Tinha receio de enfrentar a verdade e ter vergonha de mim, de uma menina fraca que não soube lutar, que não soube o que fazer com a própria vida.
Quando comecei essa jornada não sabia o que ia encontrar, mas fazia um falso e pesado juízo de valor de mim, carregava o peso e a responsabilidade do que ma havia acontecido na infância e adolescência...
Mas eu sabia que seria assim, que no início teria medo de não conseguir, de não superar as dificuldades, mas mesmo assim, decidi enfrentar esse novo caminho que se abria à minha frente com garra, como se fosse a única saída... Segui cabeça e peito abertos, mente e corpo abertos às novas perspectivas de viver.
E deu certo...
De pronto, avistei uma mulher gigante, sempre agarrada à vida, apesar das tamanhas adversidades, das auto-sabotagens e dos inúmeros medos, do meu confuso modo de me manter viva.
Afastava o que era bom porque tinha medo de vivê-lo, além de acreditar que não o merecia e que de já estar habituada a viver naquele carrossel interminável e violento de torpor.
Hoje olho para trás com poucos resquícios de vergonha e medo... o que vivi já foi, pertence ao ontem, e não poderei jamais alterar o que está na tela.
Mas posso fazer muitas coisas a partir dessa fato específico, dessa tela pintada pela mão invasiva da violência sexual intrafamiliar. Posso a moldura, ou quem sabe mudar o quadro de lugar, ou até mesmo ver outras efígies dele, que antes não percebia, ou quem diria, posso pintar um novo quadro... posso, eu posso!
Quão significativo esse verbo, essa ação direta de intervenção oportuna e minha: eu posso!
Percebi que posso mudar minhas idéias e que posso transpor os fantasmas que habitavam meu cemitério particular, cultivado todos os dias por uma culpa e pela vergonha que nunca foram minhas.
Via a dor como única fonte onde buscar rotina, onde buscar atitudes, comportamentos, reações, padrões...
Seguia como num ditado rítmico, a acompanhar a cadência da dor e da auto piedade como única forma de levar e experimentar a vida...
Cansei de me esconder, de driblar minhas digitais fortes e doces, cansei de me punir por um crime que nunca cometi e que não me dispus à cumplicidade em nenhum momento, sob qualquer hipótese.
Pele de cristal é a alegoria de uma mulher que saiu da caverna da dor e do medo absoluto de cara aberta, corajosamente, é a alegoria da caverna dessa mulher que percebeu enfim que podia ser livre, ser leve, que a justiça primeira deveria estar dentro de si a libertar-lhe os passos...
A violência do abuso sexual me invadiu e me coordenou os passos e a vida por longos anos... Não mais!
Estou viva, sou dona de minhas idéias, de mim mesma e da minha vida, de como quero vivê-la, de o que fazer para ser o que eu quiser ser, leve, feliz, um ser mais essencialmente humano nessa experiência de viver...
O que eu quero ser está dentro de mim!
Dei poder a muitas mentiras que ganharam força e tornaram-se verdade, uma verdade de papel e ilusão que me tirou a saúde física, emocional, mental e espiritual muitos anos.
Lutei por mim mesma...
Tenho me percebido uma mulher gigante nessa caminhada de redescobrimento e refazimento do meu quarto pessoal, onde nesse caminho de amor e auto perdão, prefiro retirar a poeira da dor e deixar que as cicatrizes permanentes me acarinhem e me balzamizem o fôlego e os passos.
Muito a comemorar...
Meu 1º ciclo de libertação, meus primeiros passos dados como Helena verdadeiramente, não como Lelezinha machucada, ferida e tomada pelo absurdo da dor imbatível e excludente...
Me excluí do prazer de viver a leveza da vida, de curtir a delícia de ser humana, de ser quem sou.
Mas lutei por mim e comemoro hoje o sorriso verdadeiro e largo na face emocionada.
Venci meus primeiros fantasmas, venci a mim mesma nesse primeiro round de viver!
Tenho muito orgulho de mim, não me envergonho de ter sofrido violência sexual, não tenho mais aquele medo injustificado, meus pés estão tranqüilos no chão, caminhando sem pressa, com alívio pela leveza que retirou o peso e a vergonha das costas ressabiadas.
Foi sim uma experiência muito ruim...
Mas tenho percebido que tudo é experiência e que o que te faz caminhar é o que movimento que você faz com essas experiências, é como você as vê, como reage a elas e partilha o efeito dessas experiências nos seus espaços de convivência.
Orgulhe-se de si mesma, não se envergonhe pela história dolorosa que trazes consigo...
“Experiência não é aquilo que acontece a um homem.
É o que um homem faz com o que lhe acontece.”
Acreditando na nossa capacidade de ser mais, na nossa capacidade de viver a experiência humana em sua plenitude, é que chegaremos a perceber as belezas de nosso espaço interior.
Poderemos ver que no nosso quarto pessoal, além da dor e das conseqüências dela, há as ferramentas de beleza, de resiliência e força, de coragem, de auto amor e auto perdão.
Nesse quarto pessoal estamos nós em essência de espelho e humanidade e estamos sim aptas à vivência do caminho luminoso de reconstrução, libertação e cura!
E que venham as borboletas...
Feliz dia de Helena...

sábado, 1 de julho de 2006


Rompendo o ciclo de dor
“Você não pode ser o que almeja ser se estiver satisfeito com aquilo que você é”.
Para parar de doer, tem que mexer...
Mexa-se, saia do lugar...
No seu tempo, na sua hora de plantio...
Caminha e colhe...
Nesse movimento de altos e baixos, seguia vivendo meio que à força, deixando a vida me levar e me arrastar num vai e vem zonzo. Andava meio que um zumbi sem esperanças de viver sem aquele peso e aquela dor.
Fiz terapia outras vezes, e cada vez que um processo terapêutico se aproximava das feridas que o abuso deixou, eu fugia desesperadamente.
Fugi muitas vezes desse enfrentamento, porque tinha medo da dor, de não ser capaz de suportá-la e morrer dela, num exagero simbólico e real.
Ainda morava na casa da mamãe quando contei pra uma professora de literatura de quem eu gostava muito.
Num primeiro momento ela me apoiou e me acolheu, entretanto, como o abuso já era uma rotina e os estupros já haviam começado, ela perdeu a educação, a solidariedade e a paciência rasgando uma frase que jamais consegui esquecer: ah minha filha, então você gosta, faça-me o favor!
Ela não sabia que uma pessoa vítima de violência sexual na infância é vítima no cotidiano e que desde a mais terna infância é presa àquele padrão de sofrimento e dolo, ficamos amarradas por laços traçados a partir da falsa idéia de culpa, vergonha e medo das ameaças verbais e da violência física.
(...)
Estamos habituadas ao padrão de dor, culpa, e medo. Essa idéia de que não é possível viver diferente, sem essa dor, sem esses altos e baixos está cristalizada na nossa vida e as feridas do abuso sexual são muito intensas e muito profundas.
Não se iluda: para superá-las, você terá que quebrar o pacto de silêncio com sua falsa segurança e comodidade.
Enfrentar as conseqüências da violência sexual não vai doer mais do que já doeu porque o abuso já passou.
O que você sente são as conseqüências dele, a dor da violência.
E mexer nas feridas não vai doer mais do que a vivência da violência no momento em que ocorria.
Falar sobre o que aconteceu, escrever, pintar, gritar essa dor, seja qual for a ferramenta que você se utilizar, nada disso é vivê-la de novo, salvo terapeuticamente em catarses necessárias e espontâneas.
Mesmo quando já estava fora da casa da mamãe, não me era possível respirar direito, ser inteira comigo ou viver uma relação de qualquer natureza de maneira inteira.
Me assustava com qualquer coisa, tinha pesadelos à noite, não conseguia dormir, me alimentava mal, bebia desesperadamente, usava máscaras de alegria, mostrando pros outros que era feliz, muito para que ninguém se aproximasse de mim ou se metesse na vida.
Eu me sentia menor em tudo, sempre um peso, sempre um fardo.
(...)
Era a culpa que eu sentia, a vergonha de ter sido abusada sexualmente que fazia com que eu me escondesse da vida e das coisas de estar viva.
Me sentia um peso pra tudo e todos, mas isso de certa forma me trazia um ganho secundário de vitimização que me mantinha segura e longe do pesadelo do abuso.
Para quebrar esse padrão e interromper seu campo de ação foi necessário falar.
Falar é estabelecer confiança consigo mesma e descobrir um caminho de acesso à sua criança machucada.
Andei à margem da vida, à mercê da culpa e da vergonha muitas vezes. Me cobri de dor, vesti o peso da culpa e esqueci de mim num processo auto destrutivo que durou até aqui, meses atrás.
(...)
O Abuso sexual tem conseqüências funestas e deixa muitas sombras estreitando os caminhos da vítima.
Passamos por vários estágios... negação, culpa, medo, desequilíbrios emocionais, psicológicos e físicos, fobias, vazio, fugas...
Cuide de você, preocupe-se com suas feridas com amor, redescubra esse caminho com suas próprias ferramentas, procure ajuda, apoio terapêutico, busque um caminho de amor para consigo, não o contrário...
O que importa nessa ciranda de silêncio é você!
Toma posse de ti mesma!