terça-feira, 27 de junho de 2006



A flor do amor


Mude sua forma de amar você!
Acarinhe-se...
A si e a seus passos, às suas possibilidades.
Você não consegue vê-las? Olhe com calma, mude o foco de atenção, amplie sua consciência... Você merece ser feliz por existir, por viver essa jornada humana.
A força do medo não é maior que a coragem e a certeza de chegar à reta final.
Vem comigo... a gente se ajuda!
O que o olho vê?
Permita-se sair do lugar...
Nunca acreditei que seria capaz de superar, nem mesmo quando procurava terapia ou alguma outra forma de ajuda.
Não acreditava porque tinha um pensamento cristalizado e que guiava minha vida: eu mereço sofrer!
Demorei muitos anos pra começar a pensar na possibilidade de sair do chão. Vivia no chão, sentada, chorando pedindo que tivessem pena de mim porque eu era vítima, sofria demais e merecia a pena do mundo.
Pena não é um sentimento leve de receber...
Pena vem com o peso da imobilidade.
Se meu sofrimento acabasse, acabava a pena e acabava também a relação que havia construído de pena, de dependência.
Eu era a primeira a ter pena de mim... pedia, ordenava que o mundo tivesse a mesma imagem de mim: uma pessoa suja, irresponsável, culpada. Criei um julgamento e eu mesma me sentenciei culpada.
Tinha tanta culpa, tanta raiva de mim por ter “permitido” o abuso sexual, que não me reconhecia em nenhuma foto antiga, aliás, tenho poucos registros fotográficos porque me detestava. Não valia a pena gastar foto com esse alguém tão execrável.
(...)
Quando papai morreu, estava tendo certa estabilidade. Tava namorando, tinha um emprego e moradia fixa, até tentava refazer os laços com minha mãe biológica, ia a casa dela com mais freqüência.
Engraçado, pra não dizer irônico, era quando ela dizia assim: “vê tu te sustenta nesse emprego... quem tem o seu que segure... vê se não faz besteira...“.
Minha mãe sempre esperou que eu fosse à resposta às frustrações dela.
Sempre foi muito difícil nossa convivência, parecíamos mais duas concorrentes, em que na verdade eu não sei.
Nunca entendi o porquê, e não espero mais por essa resposta.
Cuido do que está dentro de mim e do que depende de mim.
Me culpei pela morte do papai e abandonei o emprego, entrei numa fase de depressão profunda e pela primeira vez precisei de medicação. Eu sequer ouvia músicas. Deixei de tocar em barzinhos, terminei meu relacionamento, saía de casa à procura de fé, queria saber o que era e como cultivá-la...
Queria apertar um botão e fazer a dor passar, ou comprar uma vida novinha em folha no supermercado mais próximo.
Minha cabeça tentava elaborar uma profusão de informações negativas a meu respeito e inúmeros comandos de culpa, vergonha e medo; e nada me demovia da culpabilidade de tudo que havia de errado no mundo. Carregava-a nas costas num processo de punição e vitimização intenso e violento.
(...)
Sentia um peso que chegava a me sufocar, vivia em constante desequilíbrio e desenvolvia algumas doenças, até certo ponto, resultado de somatizações emocionais.
Andava carregada por essa terceira perna, me arrastando dia após dia, sentindo pena de mim e seguindo meu padrão vitimado, sempre na defensiva, sem me envolver profundamente com ninguém porque não havia confiança e nem me deixava levar por ela, quando havia essa possibilidade, muito menos pelo que a vida pudesse me oferecer de bom.
Mas era na minha cabeça que estava a vergonha e a culpa, não no meu corpo.
Minha essência não foi violada, apenas ao meu corpo a violência atingiu.
Estava submersa na ótica da violência e me encontrava vegetativa deixando a vida me levar sem minha coordenação.
Meus pensamentos coordenaram minha vida até aqui de modo carregado, em desalinho.
Agora o fazem novamente, mas demito esse padrão de medo, sofrimento e solidão.
(...)
Somente eu posso enfrentar esse processo, com a ajuda externa da terapia, é claro, mas somente eu poderia mexer no meu baú de dor.
Não denunciei meu tio, saí de casa, não há laços de amor consistentes com a minha família, mas não penso mais neles com o peso da raiva ou da vingança...
Não há fórmulas mágicas...
Cada uma de nós seguirá em seu processo de cura com seus próprios pés.
Cuido de mim, por assim dizer, caminhando mais leve tirando meus pés da lama das conseqüências do abuso e de tudo que sofri.
O meu primeiro passo foi acreditar em mim enquanto ser capaz de modificar minha própria vida, foi me dispor a trilhar o caminho do amor próprio e do auto-perdão.
(...)
Superar é um todo dia, tal o sol que nasce incansável numa dança harmônica de cotidiano e luz.
Não podemos mudar o passado, mas podemos nos cobrir com vestes mais leves como o amor próprio e o auto-conhecimento, e menos levianas que a culpa e o medo.
Podemos trazer ao presente a possibilidade da esperança e da cura.
“Sou um só, mas ainda assim sou um; não posso fazer tudo, mas ainda assim posso fazer alguma coisa; e não é porque não posso fazer tudo que vou deixar de fazer o que posso.”